Ao final de cada ano, fazemos as tradicionais retrospectivas do ano que se vai. Não podemos abrir mão do suporte do passado, do que já nos ocorreu, ainda mais neste atabalhoado ano de 2016, em que uma realística e dolorosa pedagogia de acontecimentos marcou nossas vidas. A retrospectiva é, portanto, necessária. Mas resolvi acrescentar uma “prospectiva”, a tentativa de vislumbrar o caminho à frente.
Na retrospectiva nos atemos ao poder do irreversível, do que já ocorreu e não podem mais ser evitado, por mais que nos afete de forma significativa. Na prospectiva tratamos do poder do imprevisível, da insustentável expectativa do porvir. A filosofa Hannah Arendt ensina como lidar com a força avassaladora de ambos:
“A única solução possível para o problema da irreversibilidade – a impossibilidade de se desfazer o que se fez, embora não se soubesse nem se pudesse saber o que se fazia – é a faculdade de perdoar. A solução para o problema da imprevisibilidade, da caótica incerteza do futuro, está contida na faculdade de prometer e cumprir promessas. As duas faculdades são aparentadas, pois a primeira delas – perdoar – serve para desfazer os atos do passado, cujos ‘pecados’ pendem como espada de Dâmocles sobre cada nova geração; a segunda – obrigar-se através de promessas – serve para criar, no futuro, que é por definição um oceano de incertezas, certas ilhas de segurança, sem as quais não haveria continuidade, e menos ainda durabilidade de qualquer espécie, nas relações entre os homens”.
Precisamos, mais que nunca, da lição da genial pensadora que nos ajudou a identificar e remover os véus da “banalidade do mal”. Perdoar o que se pode perdoar, prometer o que se pode prometer, nestes ruins e difíceis de passar. Os mais altos índices de desemprego e violência de 2016, a possibilidade de uma recuperação mínima em 2017. A revelação das entranhas da corrupção em 2016, a necessidade imperiosa de sustentar a justiça em 2017.
A escolha é, como ensejou Gaston Berger, usar o futuro como pretexto para atuar favoravelmente a ele no presente. A fórmula combina os dois saberes do ensinamento cristão: a sagacidade das serpentes, para um “bote” certeiro e assertivo em cada uma de nossas escolhas, e a simplicidade das pombas, para enfrentar a turbulência dos ventos conhecendo os limites de nossas asas.
Sem ansiedade, sabemos que o tempo passa e o futuro chega. Ao imaginar como será, podemos vê-lo como é. O passado permanece nele, mas pedagogicamente ressignificado para evitar as farsas da repetição.
Para o ano que se anuncia:
Que nossa esperança de um Brasil sustentável e digno para todos seja conservada pela firmeza da perseverança, mesmo diante das mais difíceis tempestades.
Que o trabalho da operação Lava-Jato e da Justiça no combate à corrupção e à impunidade perdure com o objetivo de passar o Brasil a limpo, com todo nosso apoio.
Que as reformas estruturais tão fundamentais ao país não sejam feitas às custas de direitos duramente conquistados e institucionalizados.
Que possamos sair da crise por um caminho legitimado pela vontade soberana de toda sociedade brasileira.
Que a política retome seu sentido mais nobre, resgatando credibilidade e confiança, enquanto atividade a serviço da sociedade.
Que privilégios – produtores de injustiças e desigualdade – deixem de existir para que a lei de fato seja aplicada igualmente para todos.
Que a verdade que liberta seja conhecida e semeada, em oposição às mentiras reiteradas intencionalmente de maneira maldosa.
Que a sustentabilidade seja cada vez mais compreendida como uma alternativa efetiva de mudanças, ancorada em um imperativo ético, em relação ao nosso modo de ser no mundo – mensagem tão bem retratada na abertura das Olimpíadas.
Que o contrário de injustiça seja amor, como propugnou Shakespeare e vivenciou Mandela, para que a ideia de justiça não seja diminuída por aqueles que, desprovidos deste divino sentimento, queiram usá-la como vingança.
De volta para o futuro, feliz ânimo novo. Feliz 2017!